14 junho 2014

Sorte ou Azar? - Capítulo 15 #Day14


Os sininhos da porta da loja tocaram quando entrei. A mulher atrás do balcão levantou o olhar do livro que estava lendo e disse: 
- Abençoada... 
Então me reconheceu e seu rosto se abriu num sorriso. 
- Ah, é você – disse com gentileza. – Como vai, irmã? 
Fui para perto do balcão, hesitando. Desta vez, eu tinha vindo sozinha, me virando no sistema de transportes de Nova York sem a ajuda de Joe. Havia sido apavorante pegar o metrô sozinha, em especial quando os vagões chegavam trovejando na estação, rugindo tão alto que eu não conseguia ouvir mais nada. 
Mas eu tinha conseguido. E agora estava na loja da Rua Nove, sentindo que era idiotice ter vindo. A magia não poderia me ajudar. 
Nem esta mulher. 
Ninguém poderia me ajudar. 
A mulher pousou o livro. Olhei a capa. Não era um livro sobre bruxaria, como eu poderia ter esperado, e sim um simples romance de ficção científica. 
- O que é, querida? – perguntou a mulher com voz simpática. Olhei ao redor. A não ser pela gata, que estava deitada numa pilha de livros num canto, tomando banho, concentrada, não havia mais ninguém na loja. Engoli em seco. Estava me sentindo ridícula. No entanto... 
- Alguém que eu conheço está fazendo um feitiço – falei rapidamente. Afinal de contas... que mal faria? Talvez até ajudasse. – Só sei que um dos ingredientes é um tipo de fungo que cresce em lápides, e... ah... a pessoa que vai fazer o feitiço tem de colher os fungos à meia-noite sob uma lua crescente. Fiquei pensando se você teria alguma idéia do tipo de feitiço que poderia ser. 
A mulher, que parecia ter trinta e poucos anos, com pele perfeita e cabelos compridos e escuros, franziu a testa, pensativa. Fiquei preocupada com a hipótese de ela fazer um discurso sobre como a prática da bruxaria tinha realmente a ver com ganhar força, e que os feitiços eram apenas o modo de a bruxa focalizar a energia para resolver alguns problemas. Mas, em vez disso, a mulher falou:
- Bem, a lua crescente é quando está ficando cheia, de modo que um feitiço feito nesse período indica algum tipo de crescimento. É um bom tempo para novos começos. 
- Então... poderia ser um feitiço bom? – Fiquei animada. – Quero dizer, novos começos são bons, não é? 
- Nem sempre. – A vendedora me olhou com simpatia. – Essa pessoa está com raiva, por acaso? 
Engoli em seco de novo. "Tenho um agradecimento muito especial que estive guardando só para a Jinx."
- Está. 
Ela assentiu: 
- Isso significa problema, então. Mas nada que você não possa resolver. 
Olhei-a boquiaberta. 
- Eu? Dificilmente. 
A mulher pareceu achar divertido. 
- Só de olhar, posso dizer que você é uma bruxa nata... e poderosa, pelo que sinto. 
Balancei a cabeça de modo que os cachos bateram nas bochechas. 
- Não. Não, você não entende. Qualquer poder que eu tenha... é ruim. Tudo que eu toco dá problema. Por isso me chamam de Jinx. 
A mulher sorriu, mas ao mesmo tempo balançou a cabeça. 
- Você não é azarada. Mas sinto... perdoe-me por dizer, mas sinto que você tem medo dele. Do seu poder. 
Não pude deixar de encará-la. Como é que ela... 
Ah. Certo. Ela era uma bruxa. 
- Fiz um feitiço uma vez – contei, com a garganta subitamente muito seca. – Meu primeiro feitiço. Meu único feitiço, na verdade, a não ser um feitiço de amarração. Esse feitiço, o primeiro... deu errado. Muito, muito errado. 
- Ah. – Ela assentiu, como se soubesse das coisas. – Agora entendo. Esse poder que você descobriu a deixou amedrontada. Talvez seja isso que esteja provocando seu suposto azar. Você mesma está provocando-o, através do medo. 
O quê? Eu estava causando meu azar? Impossível. Por que eu faria isso?

- Compreendo como deve ser para você – continuou ela, com simpatia. – E está certa em ser cautelosa. Um poder tão forte quanto o seu... é realmente muita responsabilidade. Você nunca deveria usá-lo de modo leviano. E nunca, como tenho certeza de que aprendeu, para manipular a vontade de outra pessoa. Porque pode dar errado... muito errado, como parece ter acontecido com seu primeiro feitiço. Mas isso não significa que deva ter medo dele. Ter cuidado, sim. Medo, não. Porque seu poder, seu dom, faz parte de você. Uma parte boa, e não má. Ao não abraçá-lo, você está negando parte de si mesma. É como dizer que não gosta de si mesma. E isso é errado. Sem dúvida você pode ver que é isso que está acontecendo, porque tem uma espécie de... bem, como você diz, azar, não é isso o que Jinx significa?
Peguei-me confirmando com a cabeça. Não confiava em minha capacidade de falar. 
- A magia que você possui – continuou a mulher, com gentileza – é muito antiga e muito forte. Acho que a pessoa que está fazendo esse feitiço contra você, o dos cogumelos, não tem a mínima idéia do que está enfrentando. Você irá derrotá-la... mas, para isso, precisa abraçar aquilo que você teme. 
Abraçar o que eu temia? Ela só podia estar brincando. Quero dizer, era fácil para ela falar. Talvez se ela ficasse no meu lugar durante um dia, só um dia, veria que não havia nada para abraçar... só coisas das quais fugir, gritando. Ratos sem cabeça, ciclistas descontrolados, bonecos com alfinetes na cabeça e... 
A mulher sorriu para mim. 
- Você não acredita. Estou vendo. E não me importo. Mas esse seu feitiço de amarração... funcionou? 
Pensei em Petra... em Willem ganhando aquela viagem à Nova York e ela tirando dez em gliconutrição. 
- F... funcionou – hesitei. – Na verdade parece ter dado certo. Até agora. 
- Na hora você não teve medo do seu poder, não é? 
- Não. Eu estava com raiva.

- Está vendo? A raiva pode ser saudável. Quando for a hora, e ela vai chegar, lembre-se disso. E do que eu disse. Abrace seus poderes, ame-se da maneira que a natureza lhe fez, e você vencerá. Sempre. 
Eu queria acreditar nela. Mas como poderia abraçar uma coisa que, durante toda a vida, vinha simplesmente estragando tudo para mim? Impossível. 
Mesmo assim, para ser educada, sorri. 
- Ah – falei. – O negócio é que não estou preocupada comigo. Estou mais preocupada com... com um amigo. – Não queria admitir em voz alta que tinha medo de Miley fazer alguma coisa para prejudicar o Joe. Não de propósito, claro, mas não conseguia afastar a imagem daquele boneco com o alfinete na cabeça. Sabia, bem demais, como um feitiço podia se virar contra o feiticeiro e acabar prejudicando a única pessoa que ele jamais pretendia ferir. – Fico preocupada com a hipótese de essa... pessoa... que está fazendo o feitiço com os cogumelos, tentar fazer alguma coisa com ele. Esperava que você tivesse aqui alguma coisa que pudesse protegê-lo... sem que ele percebesse, se possível. 
- Ele não acredita? – perguntou a mulher, com um sorriso torto. 
- Ah... não exatamente. Os olhos azuis da mulher se franziram. 
- Sei. Bem, na verdade... 
E então a mulher – que, como percebi naquele momento, era realmente uma bruxa sincera e praticante, mesmo que não estivesse usando sequer um fio de linha preta, só uma camiseta Wonder Bread e jeans – desceu do banco e saiu de trás do balcão.
- Um pouco de casca de limão em pó – ela foi até a parede mais distante da loja, que era forrada de prateleiras onde havia aquele tipo de vidros com tampa de metal que deve ser erguida para que se possa pegar o que estiver dentro, como numa antiquada loja de doces. – Isso é para limpeza. – Em seguida, ela levantou uma tampa e pegou com uma colher um pouco de pó amarelo e pôs num saquinho de pano. – Depois, um pouco de gengibre, para dar energia. – Acrescentou no saquinho algumas lascas de uma raiz. – Cravo, para proteção, claro... – Alguns pauzinhos foram para dentro do saco. – E não vamos esquecer um pouco de alecrim. – Ela se virou e piscou na minha direção. – Para o amor, por mais impossível que possa parecer no momento. Pronto. – Ela torceu a boca do saquinho e depois amarrou-o com um pedaço de fita amarela. – Com sorte, qualquer feitiço feito contra essa pessoa – ela me entregou um saquinho – vai ricochetear sem causar dano algum e bater de volta em quem o lançou, enquanto ele carregar isso. 
Com sorte. Engoli em seco e peguei o saquinho. 
- Tipo aquele ditado popular? "Deus te dê em dobro tudo que me desejares"? 
A mulher riu de novo, os olhos azuis se franzindo nos cantos. 
- Exatamente assim. 
Abri minha mochila e coloquei o sache perfumado lá dentro, imaginando como, afinal, eu iria colocá-lo no Joe sem que ele soubesse... especialmente considerando o fato de que ele não parecia estar falando comigo no momento. 
- Bem, muito obrigada. 
Mas não conseguia ver como um punhado de ervas secas protegeria alguém da fúria de Miley. Por outro lado, uma vez eu havia deixado de ver como um outro feitiço iria funcionar, e olha onde ele me deixou. 
- Quanto devo? 
A feiticeira riu. 
- Nada! É meu prazer ajudar. Por sinal, meu nome é Lisa. 
- Demi – respondi estendendo a mão para apertar a da bruxa. – Mas você vai acabar indo à falência se ficar me dando coisas. Já me deu isso. – Toquei o pentagrama no pescoço. – Lembra? 
Lisa sorriu.

- Lembro. Use-o e tenha saúde. Volte em alguns dias e conte como estão as coisas. 
Pus a mochila no ombro: 
- Está certo. Obrigada. 
- E não esqueça – disse Lisa, enquanto eu estava saindo. – Abrace seu dom, Demi. Nunca tenha medo dele. Ele é parte de quem você é. 
Confirmei com a cabeça e saí da loja depois de agradecer mais uma vez. Havia uma parte minha, claro, que achava aquilo tudo uma idiotice. Abraçar meu dom? Sem dúvida ela não podia estar falando do dom que a tata-tata-e-assim-por-diante-tataravó Branwen havia deixado para mim... ou para nós, se Miley fosse incluída. O dom sobre o qual Miley havia dito, em tom de zombaria, que ela não tinha medo de usar, ainda que talvez eu tivesse. O dom da magia. Como essa mulher poderia saber sobre Branwen, quanto mais sobre seu dom? 
Será que eu tinha algum tipo de poder – verdadeiro – como a mulher parecia achar? 
E será que eu estava realmente provocando minha má-sorte ao temer e não abraçá-lo? 
Só havia um modo de descobrir.

--------------------------------------------------------------------------------

Então cherries, o que acharam? 
Estava pensando em fazer um especial com os leitores aqui do blog... vou pensar melhor nisso e faço uma postagem falando isso pra vocês. Provavelmente será depois desses #100HappyDays, mas vou tentar fazer antes disso.. 
Até amanhã, amores. 
~xoxo



Nenhum comentário:

Postar um comentário