25 janeiro 2014

Sorte Ou Azar? - Capítulo 9


- O que você está fazendo no meu quarto? 
A voz de Miley estava temperada de veneno. Ela havia acendido a luz do teto e agora estava junto à porta, com a jaqueta de couro tirada pela metade, olhando para mim. 
Acordando lentamente, levantei a cabeça de onde havia afundado num dos travesseiros de Miley, e pisquei no súbito jorro de luz. Percebi que devia ter caído no sono esperando a chegada dela. O livro que eu havia comprado naquela tarde estava sobre meu peito, aberto – eu sabia – no capítulo sobre banir feitiços. 
- My – falei grogue, sentando-me. – Onde você esteve? Que horas são? 
- O que importa que horas são? – reagiu Miley, ríspida. – O que você está fazendo no meu quarto? Esta é a verdadeira pergunta. 
Tirei um pouco de cabelo de cima dos olhos e tentei enxergar o despertador digital na mesinha-de-cabeceira de Miley. 
- Nossa, é quase meia-noite – falei. – Seus pais vão ficar loucos... 
- Eles ainda nem estão em casa. – Miley tirou a jaqueta de couro, deixando-a cair no chão, onde a maior parte do resto de suas roupas ficaria até que Marta fizesse a limpeza. – O que você está fazendo aqui, afinal? E por que não está com Joe? 
- My. – Passei as pernas pela beira da cama. Tinha ficado tão cansada de esperá-la que havia vestido o pijama. Agora meus pés descalços afundaram no grosso carpete lavanda de seu quarto enquanto eu me levantava. – Não está acontecendo nada entre Joe e eu. Nós somos apenas amigos. Você sabe, tanto quanto eu, que ele é apaixonado por Petra. Precisamos conversar sobre outra coisa. É importante. 
Miley havia entrado no closet no minuto em que eu mencionei Petra, tendo perdido o interesse pela conversa. Ela devia ter sabido, o tempo todo em que Chelsea ou quem quer que seja estivesse lhe contando que viu Joe comigo, que aquela coisa sobre nós dois não podia ser verdade.

Porque agora, tendo saído do closet usando só um sutiã preto, a minissaia e um monte de colares, seus olhos habilmente maquiados com toneladas de delineador e rímel se arregalaram. Porque finalmente havia notado o livro. 
- Então é por isso que você foi à Encantos – disse ela. – Eu sabia que não era para comprar um presente de aniversário para Dallas. O aniversário da sua irmã é só em fevereiro. Você mudou de idéia – perguntou ela, ansiosa. – Pensou no que eu disse, em se juntar ao coven? 
Balancei a cabeça. Isso, eu sabia, iria necessitar de coragem. Mas eu não tinha opção. Realmente. 
Não importando o quanto meu estômago doesse. 
- Não – respondi. – Quero falar com você sobre isto. 
De dentro da capa do livro que eu ainda estava segurando, tirei a foto de Petra, a que estivera na caixa de areia da gata, e estendi para que Miley visse. Estava num saco plástico lacrado, mas mesmo assim dava para ver o que era. 
Miley franziu a testa, depois fez uma careta. 
- Eca! Você pôs a MÃO nisso? Não é muito higiênico, você sabe. Espero que tenha lavado depois. 
Então, quando não falei mais nada, ela deu de ombros.
- Então. Você encontrou. Imaginei que fosse encontrar. Bem, quer saber por que isso estava lá? 
- Eu sei porque estava. O que quero saber é por que você fez isso. 
Miley só deu de ombros outra vez, depois sentou-se na banqueta giratória diante da penteadeira, onde começou a escovar o cabelo preto e denso. 
- Por que tenho de dar explicações a você? – perguntou para o meu reflexo. 
- Porque isso é sério. – Atravessei o quarto e parei ao lado da penteadeira, e olhei para ela. – Talvez você não soubesse, mas o que fez, grudando a foto de Petra no fundo da caixa de areia de Mouche, é magia negra, Miley. É ruim. 
Miley olhou para o meu reflexo, incrédula por um segundo. Depois soltou uma gargalhada. 
- Escuta só! – gritou ela. – Magia negra! Você me diverte!

- Sério, Miley. – E levantei o livro que eu havia comprado. – Diz aqui. Feitiços usados para prejudicar outras pessoas são realmente perigosos. Inevitavelmente retornam para a pessoa que o fez, como um bumerangue. Só que multiplicados por três. 
- Bom, olha só. – Miley riu para mim, com um sorriso nitidamente felino. – E eu achei que você não acreditava. 
- Sério, Miley. Estou preocupada com você. Por que você faria uma coisa assim, e logo com Petra? Petra é uma das pessoas mais doces e gentis que eu já conheci. Nunca fez nada contra você. Então o que você tem contra ela? É só porque Joe gosta dela? É isso? Porque o que você está fazendo... é errado. É maldoso e errado. Não sei por que você fez isso, mas vou dizer agora: acabou. 
- Ah – Miley parou de sorrir. – Acabou. Até parece. 
- Estou falando sério, Miley. Você e esse seu coven podem brincar de bruxa o quanto quiserem. Por mim, podem aprontar pequenos feitiços, se exibir uma para a outra e se divertir de montão. Mas não feitiços que manipulam ou ferem outras pessoas. Especialmente pessoas como Petra. 
- Ah, é? – Miley balançou a cabeça. – E exatamente como você vai me impedir? 
- Bem. – Olhei para o chão. Havia esperado que isso acontecesse de modo muito diferente, não sei por quê. Tipo, conhecendo Miley, não deveria esperar que ela reagisse de qualquer modo, a não ser ficando furiosa. 
Mas, na minha cabeça, quando havia ensaiado essa conversa, Miley havia pedido desculpas e dito que não sabia o que estava fazendo com Petra era tão prejudicial. Tinha me agradecido por lhe contar, e nós havíamos nos abraçado e descido para tomar um chocolate juntas. 
Pelo jeito, não seria assim. 
Fiquei feliz por ter feito preparativos de reserva, só para garantir. 
Suspirei. 
- A verdade, My – falei erguendo o olhar para encontrar o dela – é que eu amarrei você. 
- Você amarrou... – Miley me olhou boquiaberta. – Você fez o quê?
- Amarrei você para impedi-la de fazer o mal. – Permaneci firme. – Você ainda pode fazer feitiços positivos. Mas não feitiços que manipulem a vontade dos outros. Eles não vão funcionar. Nunca mais. 
Miley pareceu tão chocada quanto se eu tivesse lhe dado um tapa. 
- Sua hipócrita... está dizendo que esse tempo todo... esse tempo todo... você realmente era uma de nós? 
- Não sou uma de vocês – respondi com firmeza. – Admito que posso já ter me interessado por magia. Mas... não deu certo. Está bem, Miley? Deu muito, muito errado, e alguém se machucou, e eu jurei que nunca mais iria fazer. Magia é uma coisa séria, Miley, e não algo com o qual alguém que não sabe o que está fazendo deva se meter. 
Miley fez uma careta. 
- Obrigada pela dica, mamãe. Mas talvez lhe interesse saber que eu sei o que estou fazendo. 
- Não sabe, não. Não se isso for um exemplo. – Estendi a foto gasta de Petra. – Uma coisa assim poderia realmente machucar alguém. Foi por isso que, mesmo não querendo, tive de quebrar a promessa que fiz a mim mesma, de nunca mais fazer magia, e amarrar você. 
- Ah. – Miley bateu com as duas mãos no rosto, fingindo horror. – Ah, não, prima Jinx! Estou com tanto medo! Tenho certeza de que sua magia caipira idiota é muitíssimo mais poderosa do que a minha. – Ela baixou as mãos e me olhou com desprezo total. – Vamos deixar uma coisa clara, Sabrina. Aqui é Nova York, e não Iowa. Suspeito de que minha magia é um pouquinho mais sofisticada do que a sua. De modo que, não importando que feitiçozinho de amarração você tenha feito contra mim, é melhor não contar que ele funcione. Porque aqui, na cidade grande, Jinx, a gente não brinca em serviço. 
- Em Iowa também não – observei em voz baixa. – Na verdade, meus feitiços sempre funcionaram muito bem. – Na verdade, eu só havia feito um feitiço. Mas mesmo assim. TINHA funcionado. Infelizmente, um pouco bem demais.

- Ah, é claro – Miley inclinou a cabeça para trás e gargalhou. – Sem dúvida você é uma bruxa muito poderosa! Deixe-me ver... você e seus pais miseráveis moram numa casa pequena demais para vocês, com, tipo, um banheiro. Você não tem permissão de ouvir rap nem assistir à HBO. Você é uma nerd que só tira dez, tem pernas tortas e vive metida numa orquestra. E teve de se mudar para Nova York para viver da caridade dos parentes ricos, porque um garoto na sua cidade ficou apaixonado e seus pais piraram. 
Agora ela havia se levantado e estava me encarando com as mãos nos quadris e uma expressão de escárnio no rosto, o nariz apenas a centímetros do meu. 
- Realmente – continuou sarcástica. – Você é uma bruxa poderosíssima, está certo. Estou morrendo de medo. Porque obviamente fez um monte de feitiços que funcionaram. OU NÃO. 
Pensei em bater nela. Pensei mesmo. Não tanto por causa do papo de nerd – vamos encarar os fatos: eu sou uma nerd de orquestra, mas não tenho pernas tortas. Mas por chamar meus pais de miseráveis. Quero dizer, meus pais ganham dinheiro suficiente para se virar. Certo, talvez a gente não ganhe um Rolex de Natal como a garotada daqui. 
Mas meus pais nunca pegaram roupas na caixa de doação da igreja para nós. É verdade que Dallas está enjoada de herdar minhas roupas usadas. Mas nem todo mundo pode comprar um guarda-roupa novo em folha para os filhos todo ano. 
Mas não. Quero dizer, não bati nela. Nunca bati em ninguém na vida e não iria começar com Miley, por mais que ela pudesse me tentar. 
Mas quis machucá-la. Seriamente. 
O que era horrível, porque dava para ver que ela já estava machucada. Por dentro, devido a ferimentos infligidos totalmente por ela mesma. Não fazia idéia de por que Miley era tão insegura, mas tinha de ser por isso que ela havia me atacado daquele jeito... por que ela faria – ou tentaria fazer, pelo menos – o que havia feito com Petra.

Esse negócio de bruxaria – essa história que ela tinha ouvido sobre nossa ancestral Branwen – havia lhe subido à cabeça. Ela estava se agarrando àquilo como se fosse uma balsa salva-vidas, porque sentia que não tinha em que se segurar. Não gostava de si mesma o bastante para... bem, só para ser ela própria. 
O negócio é que... eu conhecia esse sentimento. 
Também sabia, bem demais, aonde ele poderia levar. 
Mas o que não entendia era como ela havia tomado esse caminho. 
- O que aconteceu com você, My? Há cinco anos você não era assim. O que aconteceu para deixar você tão... má? 
Miley estreitou os olhos. 
- Há cinco anos? Você está falando de quando eu era a garota menos popular da escola porque era um capacho gordo e chato que deixava as outras meninas me pisarem e a única coisa que os garotos queriam de mim era ajuda com o dever de casa? Vou dizer o que aconteceu, Jinx. Vovó me contou sobre Branwen. E eu percebi que o sangue de uma bruxa corre nas minhas veias. Percebi que tinha poder... poder de verdade, de fazer as pessoas fazerem o que eu quisesse... ou esmagá-las se não fizessem. Eu só precisava assumir o controle. Da minha vida. Do meu destino. 
- Ah – interrompi com sarcasmo. – É isso que você faz na sala da caldeira com Liam durante o período livre todos os dias? Assume o controle do seu destino? 
Miley me olhou com frieza. 
- Meu Deus. Você é tão criança! Eu deveria saber que você não entenderia. 
Não adiantava. Percebi isso naquele momento. Peguei meu livro e a foto de Petra e me virei para ir embora. 
Mas na porta hesitei e fiz uma última tentativa. 
- Quanto ao Joe... 
Miley me olhou furiosa. 
- O que é que tem?
Eu sabia que deveria ter deixado para lá. Não valia a pena. E não faria nenhuma diferença. 
Mesmo assim, aquela coisa que ela havia dito sobre meus pais... havia me irritado. Um pouquinho. 
- Só não enfie mais alfinetes na cabeça daquele boneco. 
Miley projetou o quadril para a frente. 
- E se eu enfiar? 
- Vai apenas perder seu tempo.

- Ah, é? – A voz de Miley não era mais de desprezo. Agora estava cheia de ódio. Puro e simples. – Bem, isso veremos, não é? Veremos o tamanho da perda de tempo que você acha que é, quando Joe acabar ficando comigo, e não com Petra, e certamente não com você. Porque, sabe de uma coisa? Não importa o quanto vocês dois fiquem juntos, falando sobre a porcaria do Seventh Heaven ou sei lá o quê, ele vai ser meu. Eu quero. O que eu quero sempre acontece. Sou eu que tenho o dom, Jinx. Você pode ter herdado o cabelo ruivo, mas eu tenho a magia. Agora sei disso. Branwen queria dizer que a neta de vovó, e não as netas, teria o dom. E a neta sou eu. Porque não tenho medo de usar o dom dela, como você. O que acha disso? 
Pensei rapidamente na mulher atrás do balcão da loja de bruxaria, em seu cumprimento gentil – "Abençoados sejam!" – e na gentileza com que ela insistiu em que eu aceitasse o colar do pentagrama, que eu estava usando agora. Tão diferente, tão nitidamente diferente, do tipo de bruxa que Miley imaginava ser. Ou queria ser. 
- Se fosse você, não sei se eu andaria por aí alardeando o que acha que herdou de nossa tata-tata-tata-tataravó, Miley. 
- Por quê? 
- Vovó não mencionou como ela morreu? 
Miley balançou a cabeça, parecendo curiosa, mesmo contra a vontade. 
- Foi queimada na fogueira. Por praticar bruxaria. 
Então saí do quarto e fechei a porta.

Claro que eu não conseguiria dormir agora... decidi pegar o computador e responder à centena de e-mail de Selena havia me enviado, e mandar algum para meus pais e meus irmãos.
E fiquei lá, tentendo distrair a mente, mas ela sempre vagava por muitos pensamentos até voltar à Miley.
O que será que ela vai fazer agora?

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Eaiii, o que acharam do capítulo? Comentem! 
Até semana que vem, amores!
~xoxo

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